domingo, 9 de outubro de 2016

SAPATOS

«A rapariguinha chamava-se Karen.
Foi precisamente no dia em que a mãe foi a enterrar que ela recebeu os sapatos vermelhos, estreando-os nesse dia. Não eram propriamente algo a usar no luto, mas não tinha outros e assim, sem meias, caminhou com eles atrás do pobre caixão feito de palha», in "OS SAPATOS VERMELHOS" (1845), de Hans Christian Andersen.

https://youtu.be/SrooFOXXqE4

Nas minhas primeiras incursões pelas artes da Expressão Dramática, lembro-me de uma formadora me dizer que, em muitos trabalhos, começava a compor os seus personagens a partir dos pés, analisando e imaginando a forma como andava, como se movia, pé ante pé, mais ansioso, menos anisoso, mais rápido ou mais vagaroso, com uma postura mais leve ou mais pesada; ou com mais ou menos idade... Nunca mais me esqueci do conselho e, muitas das vezes, componho os meus personagens a partir dos pés. Muitos saltitam como se fossem crianças; outros arrastam os pés; outros andam vagarosamente; e outros aceleram o passo constantemente. E é por causa disto também que a forma como se calça é importante na construção e pesquisa teatral.

Lembro-me também das estórias tradicionais que me contavam e de uma em particular que terá origens no Norte de Portugal ou na Galiza (Espanha) - "A Dama Pés-de-Cabra". E recordo o facto de imaginar o som dos cascos da Senhora nas lajes de pedra dos caminhos, no soalho do interior de solares e palacetes ou a atravessar pontes de madeira. "TOC-TOC-TOC-TOC-TOC...". O som das solas de sapatos no piso que se pisa é deveras importante para mim. Atualmente, vivo no 1º andar de um prédio de 4 andares e sei a importância que têm uns saltos de senhora nos andares de cima, pela madrugada...

Sei também o gosto particular que muitas mulheres têm por sapatos e, de certa maneira, justamente a partir desta técnica de pesquisa e construção do "Eu" Teatral, compreendo-as. O sapato, enquanto objeto estético, é bonito! Recordo a cena do filme "Marie Antoinette", realizado em 2006 por Sofia Coppola, com a atriz Kirsten Dunst, em que desfilam, sob o formato de quase "videoclip MTV", toda a sua luxuosa coleção de sapatos.

Recordo também os espetaculares sapatos criados no Norte de Portugal por uma fabulosa designer chamada Andreia Silva e que detém a empresa "AndIWonder", autora de muitos dos sapatos que fez para a atriz/intérprete Wanda Stuart, com inspiração em vários contos infantis. É fácil imaginar que tipo de sapatos usaria uma Rainha de Copas de "Alice no País das Maravilhas" de Lewis Caroll ou, em pensamentos extremos, uma Sereia Ariel com pernas humanas. É, de facto, viciante imaginar personagens a partir dos pés.
http://andiwonder.com/como-tudo-comecou/#fb0=1

Hoje, acordei, e das primeiras partilhas que vejo nas redes sociais, é uma coleção fantástica de fotografias de sapatos geniais e de pasmar. Imediatamente, comecei a divagar... e a construir histórias a partir de sapatos. E ouço o Capucinho Vermelho pisar a folhagem morta da floresta com os seus pequenos sapatinhos pretos de verniz que terá usado na 1ª Comunhão; a terrível Madrasta da Branca de Neve, elegantérrima, a descer as escadas em caracol do Palácio, em direção às caves e à salinha de mezinhas e poções, com os seus magníficos sapatos de pelo de cavalo negro com enormes saltos; a Pequena Sereia Ariel a caminhar com as suas pernas em direção ao Altar para casar com o Príncipe Eric em cima de uns magníficos sapatinhos de coral e pérolas de ostra ou o Chapeleiro Louco a bater nas lajes do seu atelier de confeção de chapéus com as suas magníficas botas com sola de madeira, apressado, enervado, ansioso, a contar os minutos e segundos do seu velhinho relógio de bolso agarrado ao colete por uma longa corrente de ouro.

SAPATOS...
Adoro Sapatos...
https://www.instagram.com/p/mRUx6oAq2RWN8XXRt_HUD_HV45ShMYUHFVF-M0/



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